terça-feira, 10 de março de 2015

SAÚDE BUCAL DO RECIFE EM CONDIÇÕES CRITICA.


Serviço público de saúde bucal só atende cerca de 30% dos recifenses.
Sete em cada dez moradores do Recife não têm acesso a dentistas na rede pública de saúde. A demanda abre brechas a serviços de baixa qualidade.
Os dentes são a vitrine do rosto. Demonstram não só o status de felicidade da pessoa como a qualidade do atendimento de saúde prestado à ela. Por anos, o Brasil foi considerado o país dos desdentados. Apesar da realidade estar em mudança, algumas regiões permanecem em situação precária. Em Pernambuco, menos da metade da população procurou um odontologista há menos de um ano. Situação explicada não pela ausência de vontade ou conhecimento, mas de rede de atendimento. No Recife, a capital, apenas 28% dos moradores são cobertos pelo serviço municipal de saúde bucal.
É na atenção básica o primeiro contato da maioria da população carente com o dentista. O “doutor” é o responsável por dar as orientações gerais de higiene e também por sanar aquela interminável dor de dente. É função dele, ainda, identificar problemas de média complexidade, como a realização de um canal, para encaminhamento aos Centros Especializados de Odontologia (CEOs).
No Recife, são 154 equipes de saúde bucal. Número que, além de deixar mais de 7 em cada 10 pessoas desassistidas pela rede pública, não se equipara nem ao quantiativo de equipes de saúde da família, 269. Caso o percentual fosse igual, a cobertura populacional do serviço só chegaria a 50%. O resultado é PSF sem profissional e muita reclamação.

No bairro de Campina do Barreto, na Zona Norte, a comunidade dependente da unidade de saúde da família Irmã Terezinha está há cinco meses sem dentista. Quando o profissional atuava, era responsável sozinho pela assistência de 9 mil pessoas. Há locais, como a Vila das Aeromoças, em situação ainda pior. Lá, um dentista atua sozinho para cobrir 5 mil famílias, ou seja, pelo menos 20 mil pessoas. “Comecei tratamento e extrai dois dentes, mas o dentista parou de atender. Não tenho condições de pagar particular”, lamenta a dona de casa Marileide Lemos, 52 anos, cinco dentes na boca e com sonho de colocar “uma chapa”.
Do outro lado da cidade, o drama se repete. Na comunidade Lagoa Encantada, no bairro do Ibura, uma única dentista é responsável por atender 12 mil pessoas. Ano passado, ela precisou tirar duas licenças. Neste ano, está atuando. Ainda assim, a placa do posto de saúde esclarece: as marcações estão suspensas. “Falta água destilada, a mangueira estourou e também não tem gases. Há mais de três meses está assim”, denuncia o presidente da associação de moradores do local, Silvio Lucena.

Jair Ramos, 44 anos, o Fofão, é o sorriso modelo do sistema de atenção bucal da cidade do Recife. Com pouco mais de quatro dentes na boca, ele sofre frequentemente com dores. Na comunidade onde mora, Lagoa Encantada, é conhecido como desdentado. O sonho dele é retirar os dentes restantes e, como ele mesmo diz, colocar uma chapa. O sistema anda na contramão. Há meses ele não conseque sequer marcar uma visita ao consultório para profilaxia.
Atualmente, ele espera com muito mais esperança pela solidariedade da irmã para resolver o problema. “Tenho até dente que entrou na gengiva depois de uma queda, mas nem lembro a data da minha última consulta”, disse, balançando a cabeça positivamente quando questionado se queria ter um sorriso bonito.
A ausência de profissionais suficientes para suprir as comunidades nas quais estão instaladas as unidades de PSF desemboca em um velho problema da saúde públicas: as filas para conseguir uma marcação de consulta. Para visitar o dentista, muitos recifenses precisam sair de casa de casa ainda de madrugada e esperar algumas horas em frente ao posto. Depois, conseguem agendamento para meses à frente. “Nas reuniões, a população sempre reclamava da dificuldade de acesso. Não existia um quadro reserva e muitas vezes ficávamos impossibilitados de trabalhar porque a auxiliar estava de férias”, contou um profissional que atuou durante sete anos no serviço municipal.
O Recife tem um concurso vigente, realizado em 2012 e com validade prorrogada até o próximo ano. Segundo o Sindicato dos Odontologistas de Pernambuco (Soepe), foram aprovadas 582 pessoas. “Nas duas últimas conferências municipais ficou pactuado a equiparação das equipes de saúde bucal e de saúde da família, mas não aconteceu. É por isso que a saúde bucal é ruim”, pontua o presidente do Soepe, Ailton Coelho.
O órgão irá solicitar os dados de outros municípios da Região Metropolitana para fazer comparativo. “Podemos ter condições bem piores, se for considerado que a prefeitura do Recife tem o maior orçamento do estado”, acrescenta ainda o presidente do Conselho Regional de Odontologia de Pernambuco (CRO-PE).
Falta de dentista na rede favorece surgimento de serviços ilegais
Profissionais também denunciam a estrutura geral da USF Irmã Terezinha. Foto: denúncia anônima
Profissionais também denunciam a estrutura geral da USF Irmã Terezinha. Foto: denúncia anônima
A ausência de profissionais dentistas na atenção básica de saúde e a precariedade dos consultórios, com cadeiras enferrujadas e sem material, abre caminho para práticas ilegais da profissão. Corre na boca da população de baixa renda de qualquer comunidade o endereço de um serviço de baixo custo próximo. Por valores de R$ 25 a R$ 30, é possível fazer uma obturação. Para extrair um dente, os valores sobem para R$ 40 a R$ 50, dependendo do bairro.
Apesar do valor de uma clínica popular ser mais em conta, o preço pode ser um indicativo de serviço de baixa qualidade. No ano passado, o Conselho Regional de Odontologia de Pernambuco (CRO-PE) aumentou em mais de quatro vezes o número de fiscais para tentar frear a prática ilegal da profissão no estado. Atualmente, são 13 fiscais, sendo três na área de coordenação. Cada um deles faz, em média, 35 visitas por mês. Entre 2013 e 2014, as fiscalizações aumentaram 200%.
No ano passado, foram 2 mil fiscalizações, resultantes em 60 interdições éticas e 49 denúncias à polícia de exercício ilegal da profissão (cuja pena é de detenção de 6 meses a 2 anos). Para se ter uma ideia, no ano anterior as estatísticas eram de 8 interdições éticas e duas denúncias de exercício ilegal. Por mês, o órgão recebe cerca de 40 denúncias da população. Em caso de interdição, é dado um prazo de 30 dias para o consultório se adequar às normas. “É importante a população confirmar o número de registro do profissional no conselho”, alerta o presidente do CRO-PE, Rogério Zimmermann.
O Conselho tem registrados em Pernambuco cerca de 10 mil profissionais, dos quais pelo menos 8 mil estão em atuação. Desses, cerca de 40 a 50% atuam na Região Metropolitana. Nos últimos 10 anos, quatro novos cursos de graduação foram abertos em Pernambuco, totalizando sete. O que significa um acréscimo anual estimado de 300 profissionais no mercado.
Poderia ser a solução para o déficit da rede municipal, mas os órgãos de odontologia apontam pelo menos duas ponderações. A primeira delas é com relação à qualidade da educação oferecida aos estudantes. “Alunos de um curso em Arcoverde, por exemplo, estavam no quinto período e ainda não tinham nenhuma aula prática. Se você tem profissionais formados em condições ruins isso vai se refletir em atendimentos de péssima qualidade”, pondera Zimmermann.
Consultório do Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) do Pina, na Zona Sul, interditado eticamente pelo Conselho Regional de Odontologia (CRO-PE). Local já se regularizou. Foto: CRO-PE/divulgação
Fonte: Diário de Pernambuco

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